Os poemas desta página são de autoria de Marcantonio. Contribuições de outros autores são publicadas em verde e devidamente creditadas
Um pressuposto básico: a poesia é algo de difícil definição, é um espírito que atravessa todas as artes.Mas é na linguagem verbal que esse espírito encontra sua forma ideal e específica. A poesia é a rebelião afetiva da idéia.
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O QUE DEVO JOGAR FORA?
a) Todos os rituais que não sejam inéditos e se repitam;
b) Papéis em branco que tenham memória;
c) O cigarro, antes que vire fumaça…;
d) Uma parte de mim. Melhor: várias partes de mim;
e) Cartas absurdas que não escrevi.
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POEMAS DE FEVEREIRO
-a-
Hoje nuvens negras
Figuraram ameaças.
O vento as dissipou a tempo.
Toda nuvem escura passa.
Toda nuvem clara passa.
Não há senão lembrança
Vaga de qualquer nuvem.
Toda visão de nuvem esgarça-se.
-b-
Chove verão.
Rosto na vidraça fria.
Água cantando:
Sim não sim não sim
-c-
Ouvido atento
Ao que a chuva dirá.
Se vier de longe
Trará notícias suas.
-d-
Van Gogh, propõe mais alto
O teu koam!
Tenho duas orelhas
E não posso ver-te.
-e-
Quando o luar se extinguiu
A vida me contou segredos:
Viver é aguardar presenças.
Um inseto se chocou contra
A lâmpada.
-f-
Tudo está brutalmente presente.
Defino isso como felicidade.
Ela, eu, eles, as coisas,
As formas, as cores e as ações.
Nada se excede
Ou sai de si mesmo
Para ocupar uma ausência.
Se isso acaso ocorre,
É um ato que termina e outro que
Começa…
-g-
Só sei fabricar imagens
Na intenção de que nelas
A poesia viva
Como um lobo que nunca vi,
Ou cante como um pássaro
Que cruza uma rua tranqüila.
-h-
O meu polegar é operoso,
Mas mudo.
Nada sabe de palavras.
-i-
A suavidade é o extremo da vida:
É a paixão que, ciente de si mesma,
Destila-se e escorre como córrego.
A brutalidade é que se represa.
-j-
Como uma gaveta
Com luz interna própria
Que é aberta ao sol
Do meio-dia
E ainda assim ilumina ao redor.
-k-
Quando uma folha cai
Ainda a vemos como árvore.
Se o vento a leva,
A árvore também se move.
Pois cada folha é toda a árvore.
-l-
Se me ouves
Enquanto falo
Tu me iluminas.
Mas se repetes
Minhas palavras,
Delas me perco.
-m-
A solidão deve ser o momento
De perceber o outro,
Jamais a ocasião de inventá-lo.
-n-
Um pássaro confidenciou à outro
Que a vida, esse momento
Entre o salto para o vôo e o pouso,
É trágica.
O outro respondeu:
-Não, a vida não é trágica,
Trágicos somos os pássaros!
E voou.
-o-
Inventar espaços próprios
É ardil da covardia:
Ser é desabrigar-se.
-p-
Tantos pássaros formam um bando.
Um só canta.
Qual foi?
Ele sabe que cantou por todos.
-q-
Pontilhões entre dois vazios
As questões que me proponho.
Desabam quando as atravesso.
Não almejo abarcar o mundo,
Quero um barco para cruzar
O meu mundano dia.
-r-
Acompanhei os movimentos do teu olhar
Inquieto
Como a pena de um sismógrafo.
Ele percorreu planícies lisas,
Quedou em vales fundos,
Cruzou cordilheiras tortas,
Planou sem rumo,
Sondou cavernas marinhas,
Levitou pelas ruas da cidade
Para, enfim, focar-se
Nos meus olhos atentos.
-s-
Borboleta sem rumo,
Inquieta, foco de sol.
Não é leve nem é pluma.
Leve é o paquiderme
Estacionado no próprio sono.
-t-
Decalquei meu gesto no gesso.
Mas, côncavo,
Ele perdeu o sentido.
O vazio tem que contornar
O gesto.
-t-1
Aos gestos barulhentos
O olhar surdo não capta.
-t-2
O olhar pode ser um gesto?
Se pode deve ser como um peixe
Que gesticula no próprio nado
Dentro do aquário.
-t-3
Enquanto procurei pelo gesto perfeito
Ele não ocorreu
Quando o esqueci e não o pretendi,
Ele surgiu do meio do meu corpo.
-u-
Depressivo por tanto pensar
Deixo, enfim, que o meu olhar
Percorra círculos
Como os ponteiros de um relógio.
Em algum ponto ele encontra
A hora da luz e pára.
-v-
Uma caixa de fósforos
Tão concretamente caixa-de-fósforos
Tão percebida como-caixa-de-fósforos
Mesmo sem estar-para-fósforos
Mesmo não-sonora-caixa-de-fósforos
Caixa-de-fósforos-vazia-de-fósforos.
-w-
Imaginamos a chuva
Assim que o vento úmido
Agita a luz do sol
Com sopros curtos reinterados.
Ela virá musicar esta tarde.
-x-
Não posso mais
Numerar os nichos vazios
Do passado,
Comunicar a presença do futuro
Na foz dos rios.
Não posso mais
Buscar o tempo oculto
Com que os profetas se embriagaram
Não, não mais!
As raízes estão agora acima do solo
E são tão banais…
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UM MESMO E OUTRO
Para continuar é preciso
Suturar as fendas dos velhos mapas
E refazer antigos saltos mecânicos
Agora de trampolins mais baixos.
O arrepio de medo é o mesmo,
Como são os mesmos
O chão eriçado de vergônteas,
O sal entre as pedras
E o vento predicante
Soprando no meu rosto
nu de perguntas.
Eu é que não sou o mesmo que adormeceu
E realinho meus cabelos endurecidos
E afio-me as esporas
montado no dorso de uma fera olímpica
com focinho nublado e frio.
Agora convoco silêncios revoados
E toco bruscamente os ombros caídos das coisas,
Assustando flores com gritos fisionômicos.
Eu sou outro, um emissário
Mais atento aos bilhetes,
Perplexo com o perfil cortante das letras
Que, afinal, se unem mais por cansaço.
Agora atento mais aos ralos das pias,
Aos cantos dos parapeitos ensolarados,
E à pele mais descolada das minhas costelas.
Atento mais à divergência trêmula dos meus dedos
E à estrutura precária da minha face
Com lábios precavidos de ventríloquo
Que dão voz ao confidente infiel
Sentado sobre os meus joelhos feridos,
A espiar o medo envelhecendo nos meus olhos
Cansados de amar imagens destemperadas
Desertando, transpirando adeuses ríspidos,
Adeuses sem modulação,
Adeuses logo à boca dos corredores estreitados.
Não vejo mais meros acenos desinteressados
E o ar que as palavras deslocam é gélido
Como as vidraças trincadas
Refratando a luz do mesmo sol
Que dilatava as veias da minhas manhãs
agora enfartadas de torpor.
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NEUTRALIDADE
Tenho moído palavras
Na intenção amarga
De fazer desse pó
Polissemântico
Um novo pigmento,
Cor neológica
Suficientemente neutra
Para nada expressar.
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NA PRAÇA
Estátua equestre,
Ríspido pombal.
Na mão erguida
Aguda espada
Contra o céu.
Lavoura aérea
De óxidos,
Dorme o sono
Cinzelado
De condottiere
Deserdado
E ao léu.
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PALAVRAS
Palavra sôlta
Volta.
Palavra súbita
Habita.
Palavra ignota
Conota.
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(O poema abaixo é uma contribuição de Welligton Trotta)
MULTIDÃO
Mesmo no meio da multidão de compactos rostos,
fisionomias misturadas num perder-se de peculiaridades
no vazio uniforme desvairado-insistente,
de muitos andares sem saber o que desejam,
ou que só desejam, e desejam muito
sem atentar que desejam por desejar incessantemente…
… mesmo nessa multidão de compactos semblantes,
mixórdia de expressões perdidas em pensamentos iguais e pueris,
tão obscuros que me vi cercado por uma escuridão de significados,
portas que fechadas para o tudo se abriam para o nada, solenemente,
no bater de pernas na velocidade de lábios desconectados,
numa realidade só julgada pelos mais loucos critérios de verdade…
… zombavam de mim, anonimamente,
pela dominação que sofro cruelmente
de tua presente-ausência que:
domina meu pensamento impiedosamente,
seja de noite ou de dia, sob sol ou chuva, mas sempre.
Mesmo que de repente, ao súbito o sono se acabe, acordo,
continuando a sonhar pelo calor de tua presença,
pela força de tua ausência, pelo odor de tua lembrança.
Tua imagem refletida no meu espírito assemelha-se ao caminho das nuvens:
de um ponto a outro temperando o rigor do sol,
embelezando o crepúsculo de mais um dia,
abrigando a lua em tuas imensas espumas brancas,
guardando no interior da chuva a terra onde me afirmo.
Tua presença castiga lentamente meus olhos úmidos e fixos,
espelhada numa folha escrita repleta de palavras banhadas pelo teu nome,
pela rima que tens em ti, pela melodia que exala de ti em si mesma.
Quando penso, e penso muito em ti, penso pensando no nada, nas noites
sem silêncio e na leitura sem concentração.
Quando penso em ti sou tomado por ondas de sentimentos,
por uma espécie de velocidade arrebatadoramente ingênua,
sem direção para qualquer lugareem que se tenha felicidade.
Tua presença, tua ausência, tua lembrança não causam dor,
apenas um estado d’alma reflexivo nas estruturas do ser,
na certeza do tempo que transforma paisagens e esculpe formas,
erige normas de se trabalhar mãos, sonhos e esperanças.
Tua presença caminha por onde caminho, por onde vivo, se escrevo, leio ou
mesmo completamente parado, presença que ensaia uma despedida pelo
pelo adágio de um sorriso
por uma pincelada de cores que borrando o papel em branco,
constrói contornando seu rosto na expectativa-perspectiva
sobre meu peito no infinito limitado de tuas mãos.
(Wellington Trotta, em 06/07/2009)
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HAICAI DO CABO BRANCO
O vento adensado
Agudo como um buril
Desenha nas falésias.
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AFORISMOS
-1-
Certezas são corpos estranhos
na minha mente
Que, certamente,
Ativam defesas imunológicas.
-2-
Dúvidas: germinações exasperadas
Em solos arenosos
Que gerarão frutos carnosos.
-3-
O movimento é um discurso no espaço,
sendo a inércia lapso.
-4-
Os pés não sustentam o corpo:
ortografam a sua graça.
-5-
A serenidade é líquido
entre rochas ardentes.
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IDEAL
Construi sobre mim
Um mito insubmisso
Ao qual sou submisso.
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(O poema abaixo é uma contribuição de Welligton Trotta)
INFINITO
Welington Trotta
O que é o infinito? Uma abstração?
Ou uma metáfora que resolve o limitado destino
humano circunscrito no espaço?
O que é o infinito? Um ilimitado, ou quem sabe
um sentido de vazio flutuando no tempo
indeterminadamente como ser-aí?
O que é o infinito? Uma especulação,
atividade necessitante do intelecto?
Ou o infinito é uma condição de
paixão…
… razão…
… emoção…
… percepção…
… inquietação?
O infinito é uma invenção do intelecto
para perpetuar os desejos no quando,
enquanto a eternidade é poética.
lembrança desejante no tempo.
Se na vida só existem instantes,
não havendo dias, horas ou minutos,
mas somente segundos,
esses segundos devem ser vividos
eternamente no prazer envolvido,
mesmo que acabe seguidamente.
O infinito é profunda subjetividade,
puro pensar como imenso desejo
num perder sem fim.
Infinito é o parar no tempo sem gravidade,
volitando em vórtices de emoções
como ecos da paixão.
Se o infinito é subjetividade como condição,
sinto minha infinitude imóvel, extensa-permanência
tomada pela imagem do nada.
O meu infinito é a subordinação
de pensar sem perceber o espaço
na eterna temporalidade da memória.
Por isso o infinito é a melodia do desejar,
incessantemente.
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SOLIDÃO
Quando a solidão chegou,
Ela me tornou único.
Eu que me julgava vários,
Eu, de muitos itinerários
Compartilhados,
Não era mais que um!
Sem partes, sem pontos
Sem frações, sem múltiplos.
Recebendo a solidão,
Ela me amarrou a mim.
Reforçou a membrana
Das minhas fronteiras.
Daqui percebo estático
Que o fronteiriço é outro,
Perambulante e cego.
Sim, sou esta ermida
De onde se oserva a rede
Das solidões unitárias:
A solidão dos nomes.
A solidão dos números.
A solidão dos olhos.
A solidão dos sequenciados.
A solidão dos alternados.
A solidão viral dos adjetivos.
A solidão dos adjuntos temporários
E a solidão dos solidários.
Quando a solidão chegou,
Ela urinou no meu território.
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A mente
Nau frágil
Vaga
Entre ilhas afundadas
Remotamente.
Arco de luz refratada
Partícula imantada
Centro semovente
A mente.
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O dia é secreção luminosa
Da noite inflamada, febril:
LUZ PUS
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Pérfido SOL
Aranha amarela
Transita……ndo
Na teia azul
Em rota <alheia>
ao
Norte-
Sul
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Toda janela
Seria um óculo?
Uma cavidade ocular?
Toda janela
Seria o obturador
De uma câmara habitada?
Seriam olhos vazados
As janelas escuras
Dos cômodos desabitados?
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Tanto por expressar
E nada brilha na bateia
Em meio à areia coloquial.
Nenhum vocábulo dourado, Pedra preciosa Ou fundamental.
Lavar ou lavar ou lavrar…
Levigar inutilmente. Tão presa está a mente Ao breviário Do cotidiano Semântico e verbal!
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AFAGOS
1
Não é que eu não possa
Existir sem você, não.
Fato é que existo COM você:
Decidi enxergar o mundo
Com nossos quatro olhos.
2
Dia de exílio intramuros.
Estou cansado dessa solidão azul.
O ar é tão denso que chega a me ocultar
Na própria transparência.
Não consigo avistar novas paisagens.
Dos caminhos abdico
Se me faltam os seus sinais.
3
O meu melhor sorriso
É sempre uma resposta
A um súbito sorriso seu:
Aparição de borboleta luzidia
Que entrasse na casa, pela manhã.
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ILHA
Aqui não há meio-termo,
Ponto delimitado, claro,
Entre o são e o enfermo,
Entre o banal e o raro.
Ilha dos excessos
Em planos de luz saturada,
Suas bordas pendem no além
Que vai confinar com o nada.
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querido amigo e companheiro de sonhos , estou ESTUPEFATA
com a poesia destas paginas
um grande abraço fraterno.
poesia=arte=criaçao=fazer
“tudo o que importa a poesia funda”
a coisa antes das coisas…
o ar antes da palavra/do desenho/do canto
By: paula ziegler on 29/07/2009
at 8:00 pm
Prazer em conhecer você por aqui. Gostei muito do que li. Fui recomendada por alguém que certamente herdou o seu gosto pelas palavras. Reconhecer-me em sua poesia foi presente para manhã de sábado. Voltarei.
Dulce
By: Dulce Moura on 19/09/2009
at 12:09 pm
”
É preciso estar triste
para almejar a alegria.
Porém, o contrário
não é necessário,
pois a alegria
de si mesma se esvazia.”
Foi meu presente de Natal. Obrigada pelas gentis palavras, dá vontade de ser uma pessoa melhor.
Abraço,
Dalva.
By: dalva on 26/12/2009
at 11:09 pm
gostei muito.
By: maria azenha on 30/03/2011
at 11:01 am
Tuas palavras são de uma inquietude graciosa, que movimenta em nós qualquer coisa de sentimento apaixonado!
bjo!
By: mara on 27/06/2012
at 7:57 pm
Inquietude, eis a palavra.
Também sinto isto no que dizes e quando dizes nos instigas…
Abç fraterno.
By: Eurico on 11/04/2013
at 5:50 pm